Breves momentos do autor

O Pedinte

Durante muito tempo da minha vida de estudante transitei pelo centro da cidade, por entre multidões vultuosas, correntes que iam e viam de todas as partes. Não importase que dia fosse, quando eu andava por aquelas ruas, sempre havia gente demais, milhares de rostos, raramente iguais, às vezes só alguém conhecido, um vizinho que me encotrava e comprimentava com ar de obrigação, como se as ruas do centro nos fizessem amigos mais próximos, embora nunca houvesse nada além desses encontros desimportantes.


Apesar do fluxo intenso, de tantas pessoas que não se sabia de onde vinham, pra onde iam, no meio delas se destacavam figuras estáticas, permanentes, que ilustravam as calçadas de certas ruas do centro, à beira da entrada de comércios, por vias que só pedestres passavam. Tais figuras pediam dinheiro, esmolavam as moedas dos clientes que chegavam e saiam, pediam de jeito comum, pediam com textos elaborados, pediam.


Um dia entrei numa rua pela qual raramente havia passado, notei um homem velho, sentado sobre um gasto papelão, com os olhos fechados e com a mão estendida, aberta, fixa, apontando para a caridade do povo. O homem, mendigo, dizia uma frase, quase tão indecifrável que me chamou atenção, permaneceu nos meus pensamentos, se repetindo na forma de uma frase falsa, imitando o que talvez aquele pedinte realmente dizia. Acreditei que ele falava algo do tipo: Ceguim! Ceguim!


Acreditei por bastante tempo, até o momento em que passei novamente por aquela rua, rua tão antiga, por onde só passavam pedestres, rua que só conhecia o começo, evitava o fim, rua de tantas lojas, lá encontrei o mesmo homem, que outrora me trouxe a dúvida e, nesta tal hora, levava embora meu bobo engano, talvez fruto do barulho das multidões, que passavam sem parar. Finalmente descobri o que homem dizia, ele repetia o tempo todo, com a mesma postura de antigamente: Por Deus! Por Deus!


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